Audiência de custódia: o
que é e como funciona
Luciana
Pimenta
Trata-se
de direito do preso, mas, mesmo com as previsões supralegais, o sistema
jurídico brasileiro não tinha, até então, criado condições para que este
direito pudesse ser exercido.
A audiência de custódia é o instrumento
processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à
presença da autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que esta
avalie a legalidade e necessidade de manutenção da prisão.
A previsão legal encontra-se, desde muito, em
tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Com efeito, o art. 7º., 5,
do Pacto de São Jose da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos reza: "Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser
conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade
autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta
em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser
condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo." No
mesmo sentido, o art. 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos de Nova York.
Trata-se de direito do preso, mas, mesmo com
as previsões supralegais, o sistema jurídico brasileiro não tinha, até
então, criado condições para que este direito pudesse ser exercido. Em verdade,
no Brasil o primeiro contato entre juiz e preso normalmente ocorria na audiência
de instrução e julgamento, que, não raro, pode levar meses para ser
designada.
Em fevereiro de 2015, o CNJ lançou um projeto para
garantir a realização da audiência de custódia, e um ano depois, em
01.02.2016, entrou em vigor uma resolução que regulamenta tais audiências no
Poder Judiciário. A resolução estipulou prazo de 90 dias, contados a partir da
entrada em vigor, para que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais se adequassem ao
procedimento. Este prazo findou no corrente mês.
Não há, no Brasil, lei que regulamente o tema,
embora já haja projeto tramitando no Congresso (PLS
nº 554/2011). Mas o
STF já se posicionou no sentido de ratificar a legalidade da metodologia das
audiências. No estado de São Paulo, as audiências vem sendo realizadas
desde 2014, por determinação do Tribunal de Justiça, que regulamentou o tema no
Provimento Conjunto nº 03/2015. Desde então, o programa já reduziu em
45% (quarenta e cinco por cento) o número de prisões provisórias no estado.
A audiência será presidida por autoridade
que detém competências para controlar a legalidade da prisão. Além
disto, serão ouvidas também as manifestações de um Promotor de Justiça, de um
Defensor Público ou de seu Advogado. O preso será entrevistado,
pessoalmente, pelo juiz, que poderá relaxar a prisão, conceder liberdade
provisória com ou sem fiança, substituir a prisão em flagrante por
medidas cautelares diversas, converter a prisão em preventiva ou ainda analisar a consideração do
cabimento da mediação penal, evitando a judicialização do conflito,
corroborando para a instituição de práticas restaurativas.
Não bastassem as determinações em tratados
internacionais e a imperiosa necessidade de reforço do compromisso do Brasil na
proteção dos Direitos Humanos, há outros motivos que ratificam a
realização das audiências de custódia (também chamadas de audiências de
apresentação). Dentre eles, podemos citar o combate à superlotação
carcerária (uma vez que possibilita à autoridade judiciária a
apreciação de pronto da legalidade da prisão).
Contudo, o tema não é livre de críticas e
polêmicas.
De acordo com a Resolução 213/2015, o prazo para apresentação do preso em juízo é de 24 horas, mas há casos, de crimes de estrema complexidade e de âmbitos transnacionais em que a própria lavratura do auto de prisão em flagrante percorrerá período superior a este prazo. Assim, a dúvida é que fica é: a partir de quando se conta tal prazo? Seria da situação flagrancial, do momento em que for dada voz de prisão, da apresentação ao delegado, do registro da ocorrência, do ato da lavratura, quando tomar ciência dos direitos e garantias?
De acordo com a Resolução 213/2015, o prazo para apresentação do preso em juízo é de 24 horas, mas há casos, de crimes de estrema complexidade e de âmbitos transnacionais em que a própria lavratura do auto de prisão em flagrante percorrerá período superior a este prazo. Assim, a dúvida é que fica é: a partir de quando se conta tal prazo? Seria da situação flagrancial, do momento em que for dada voz de prisão, da apresentação ao delegado, do registro da ocorrência, do ato da lavratura, quando tomar ciência dos direitos e garantias?
Outro ponto emblemático diz respeito à competência,
tendo em vista que a Resolução autoriza que, nos casos em que a ordem de
custódia for cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, será
competente para a audiência “autoridade judicial competente”. Parece-nos
complicado que outro juízo possa avaliar as prisões cautelares sem ser o
juiz natural do feito.
Também mencione-se o problema que será gerado para
o transporte e escolta do custodiado. O efetivo policial é escasso, os recursos
destinados a tais fins são restritos, e os riscos (não apenas de fuga, mas como
de se colocar a própria sociedade em perigo) são elevados.
Sim. As polêmicas são muitas. E provavelmente
muitos outros entraves virão a partir da efetivação do procedimento em
território nacional. Nossa intenção não é colocar em cheque a realização das audiências. Pelo contrário. Pela vertente garantista, à qual
nos filiamos, somos a favor de efetivação cada vez maior dos direitos
humanos. Contudo, necessário que um direito seja exercido em sua
plenitude. E, ainda, que toda a sociedade não seja preterida para que se
garanta o seu exercício.
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